Orientação Conjunta n. 1/2024, da 2ª, 4ª, 5ª e 7ª CCRs/MPF (sobre a decisão do STF quanto ao juiz de garantias)

As Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal consistem em “órgãos setoriais de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional na instituição”, conforme prevê o art. 58, caput, da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União). Atualmente, são sete as CCRs/MPF:

a) 1ª Câmara – Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral: educação, saúde, moradia, mobilidade urbana, previdência e assistência social, conflitos fundiários e fiscalização dos atos administrativos em geral;
b) 2ª Câmara – Criminal: matéria criminal, exceto corrupção, controle externo da atividade policial e sistema prisional;
c) 3ª Câmara – Consumidor e Ordem Econômica: defesa do consumidor, da concorrência e da regulação da atividade econômica concedida ou delegada, políticas públicas, assistenciais ou promotoras, para o desenvolvimento urbano, industrial, agrícola e fundiário;
d) 4ª Câmara – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: flora, fauna, áreas de preservação, gestão ambiental, reservas legais, zona costeira, mineração, transgênicos, recursos hídricos e preservação do patrimônio cultural, entre outros;
e) 5ª Câmara – Combate à Corrupção: atos de improbidade administrativa, crimes praticados por funcionário público ou particular contra a Administração em geral, inclusive contra a administração pública estrangeira, crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores;
f) 6ª Câmara – Populações indígenas e Comunidades Tradicionais: grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional majoritária, como indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos;
g) 7ª Câmara – Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional: regularidade, adequação e eficiência da atividade policial, aprimoramento da persecução penal, preservação dos direitos e garantias constitucionais dos sancionados nas execuções penais.
(vide https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica)

O inciso I do art. 62 da LC 75/1993 dispõe que compete às CCRs/MPF “promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência, observado o princípio da independência funcional”. Com base nesse dispositivo e à luz da decisão do Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6298, 6299, 6300 e 6305, as 2ª, 4ª, 5ª e 7ª Câmaras do MPF elaboraram a Orientação Conjunta n. 1/2024 a fim de estimular os membros do Ministério Público Federal atuantes no campo criminal sob sua coordenação, sem prejuízo da independência funcional, a observarem determinados aspectos no cumprimento do item 4 da proclamação do resultado do julgamento dessas ações.

As ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305 veicularam questões sobre o juiz de garantias e outras disposições da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime). A proclamação do resultado do julgamento da ADI 6298 e demais ações a ela apensadas ocorreu em 24.08.2023, com acórdão publicado em 19.12.2023 e no qual há 26 pontos conclusivos. No item 4, a Suprema Corte, por unanimidade, conferiu interpretação conforme aos incisos IV, VIII e IX do art. 3º-B do Código de Processo Penal, incluídos pela Lei 13.964/2019, “para que todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor de investigação penal se submetam ao controle judicial (HC 89.837/DF, Rel. Min. Celso de Mello) e fixar o prazo de até 90 (noventa) dias, contados da publicação da ata do julgamento, para os representantes do Ministério Público encaminharem, sob pena de nulidade, todos os PIC e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição”.

Os incisos IV, VIII e IX do art. 3º-B do Código de Processo Penal dizem o seguinte:

Quanto ao inciso I do art. 3º-B do CPP, a Orientação Conjunta n. 1/2024 dispõe que não há obrigação de comunicar, para controle judicial, a instauração de notícia de fato ou a sua prorrogação para fins de colher informações preliminares e de verificação quanto à necessidade e possibilidade de instauração de procedimento de investigação, conforme o artigo 3º da Resolução 174 do Conselho Nacional do Ministério Público”.

A Resolução 174/2017 do CNMP buscou uniformizar, no âmbito do Ministério Público, a instauração e trâmite da notícia de fato e do procedimento administrativo. De acordo com o seu art. 1º, a notícia de fato é “qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, submetida à apreciação das Procuradorias e Promotorias de Justiça, conforme as atribuições das respectivas áreas de atuação, podendo ser formulada presencialmente ou não, entendendo-se como tal a realização de atendimentos, bem como a entrada de notícias, documentos, requerimentos ou representações”. Dito de outro modo, qualquer documento ou comunicação direcionado ao promotor de Justiça ou procurador da República contendo narrativa de possíveis ilegalidades consiste em notícia de fato. Ela também é uma espécie de “classe processual” criada para abrigar, em caráter inicial, tais expedientes.

A NF serve à colheita de informações preliminares com o objetivo de subsidiar a eventual deliberação de instauração de procedimento específico. Para a obtenção de elementos mínimos nessa fase inaugural, o membro do Parquet não poderá se valer do seu poder de requisição, previsto no art. 129, VI, da Constituição da República, no art. 8º, II e IV, da Lei Complementar 75/1993 (LOMPU), no art. 26, I, “b”, e II, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e em outras normas congêneres. Isso porque o parágrafo único do art. 3º da Resolução 174/2017-CNMP veda a expedição de requisições no contexto da notícia de fato. O poder de requisição de informações pelo Ministério Público é ato administrativo e se traduz em instrumento de atuação destinado a viabilizar o cumprimento das atribuições dos seus membros, como já decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.453.904/DF, sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28.04.2015, DJe de 07.05.2015. Nessa conjuntura, a requisição é ordem emanada do membro do MP. Aquele que a descumprir é passível de responsabilização.

A razão de ser da vedação prevista no art. 3º, parágrafo único, da Resolução 174/2017-CNMP decorre da circunstância de que a notícia de fato, aqui entendida como categoria de procedimento extrajudicial, não equivale a procedimento investigatório stricto sensu. Cuida-se de etapa prévia e precária voltada à reunião de elementos informativos que deverão viabilizar o exame quanto à imprescindibilidade ou não da instauração de procedimento próprio para a apuração das supostas ilegalidades. Além da possibilidade de solicitar (sem coercitividade, pois) informações e documentos no âmbito da NF, o membro do Ministério Público poderá, por exemplo, obter informações a partir de pesquisas na Internet.

Há outra característica da NF digna de nota. Seu prazo de tramitação é curto, quando comparado com os demais feitos extrajudiciais ministeriais: são 30 dias para a análise da situação apresentada na notícia de fato, contados do seu recebimento, podendo esse período ser prorrogado por até 90 dias, mas somente uma vez e de maneira fundamentada.

Outra diretiva apontada pelas 2ª, 4ª, 5ª e 7ª CCRs/MPF na OC n. 1/2024 é no sentido de que “não há obrigação de comunicar, para controle judicial, o indeferimento de instauração de notícia de fato fundado no art. 4º, parágrafo 4º, da Resolução 174 do CNMP”. O § 4º do art. 4º da Resolução 174/2017-CNMP ocupa-se do indeferimento da instauração de NF nas hipóteses em que não for possível compreender o fato narrado ou quando não se tratar de lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos aos quais incumbe ao Ministério Público proteger.

A Orientação Conjunta n. 1/2024 igualmente se posiciona pela “obrigação de comunicar, para controle judicial, a instauração de procedimento de investigação criminal, disciplinado na Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, ao juízo competente, com a remessa da íntegra do procedimento”.

Também consta da OC n. 1/2024 a necessidade de comunicação, para controle judicial, dos atos investigativos realizados no procedimento de investigação criminal, a cada prorrogação de prazo de 90 dias, disciplinada no artigo 13 da Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público”.

mais sete diretrizes traçadas pelas 2ª, 4ª, 5ª e 7ª Câmaras do MPF envolvendo (i) a comunicação, ao Poder Judiciário, do indeferimento de instauração de notícias de fato e do arquivamento de investigações criminais e (ii) a comunicação, à vítima e ao investigado, do arquivamento de investigações criminais.

A íntegra da Orientação Conjunta n. 1/2024 você encontra aqui.

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